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terça-feira, 3 de abril de 2012

Mensagem de Reflexão - Analfabetos Emocionais

De tanto se apoiar em relacionamentos virtuais e realizar várias atividades simultâneas, o ser humano está perdendo a capacidade de se relacionar na vida real e de focar um só ato com mais atenção

Por Marcelo Cypriano
marcelo.cypriano@arcauniversal.com

“Calculei o tempo gasto pelo homem para carregar páginas de websites. Ele neutraliza toda a produtividade alcançada na era da informação. Às vezes, acho que a internet é um grande plano para manter pessoas como eu longe da sociedade normal.”

Quem disse isso foi o cartunista norte-americano Scott Williams, em 1997, pela boca de seu famoso personagem Dilbert, um verdadeiro ícone da burocracia “desumanizante” do mundo corporativo. Adams explorou mais o assunto, mostrando Dilbert em dificuldades nos relacionamentos reais, fora da esfera virtual. E isso bem antes do advento das redes sociais.


Não que a internet seja realmente parte do tal plano alienante citado pelo personagem de quadrinhos. Teorias da conspiração à parte, se bem usada, a web pode acrescentar muito à vida do internauta. Entretanto, acréscimo está muito longe de ser o mesmo que substituição.

Entra em voga o termo “cérebro de pipoca”, uma nova síndrome dos tempos modernos. Tal como o milho se altera, sob ação de calor, para virar aquela substância branca parecida com isopor, o cérebro humano pode sofrer mudanças químicas irreversíveis, causando ou agravando o chamado “analfabetismo emocional”. De tanto estar plugado com outras pessoas quase o tempo todo via computadores, tablets e celulares, o ser humano perde o jeito de se relacionar com seus semelhantes aqui fora, na vida real. Ele, como um analfabeto não decifra as letras, pode tornar-se incapaz de “ler” sinais simples, como expressões de um rosto, tons de voz ou a postura. Outra dificuldade do cérebro “empipocado” é a de concentrar-se em uma só atividade, coisas como dirigir sem falar ao celular (o que, aliás, é proibido por lei, mas muita gente faz de conta que esquece), ler um livro ou conversar com alguém sem interrupções a todo momento.

“Esse novo fenômeno é atribuído ao movimento caótico e constante de informações e ao fato das pessoas passarem muito tempo conectadas por dia e a tocarem muitas tarefas ao mesmo tempo”, diz o psicólogo clínico e especialista em comportamento Julio Peres. “O veloz mundo contemporâneo fornece poucos valores essenciais à vida em equilíbrio; enquanto novas ‘necessidades’ são artificialmente criadas a cada dia, imbuídas da falsa promessa de bem-estar. Incentiva-se a pressa, a praticidade e o consumo imediato dos bens que, supostamente, aplacariam a angústia e a ausência de sentido para a existência.”

Outro fator explicado por Julio: “Segundo pesquisas, quem faz muitas coisas ao mesmo tempo tem mais dificuldade de concentração e de excluir as informações irrelevantes, além de sofrer mais de estresse”. Toda aquela conectividade cobra um alto preço.

Vem fácil, vai fácil

Para Julio, os meios tecnológicos oferecem tanta facilidade e rapidez de contato virtual que privilegiam a quantidade ao invés da qualidade (é clichê, mas é verdade). E procura-se, cada vez mais, gente com o mesmo perfil, que possa levar ao usuário até a satisfação de um interesse imediato. Do mesmo jeito que a falsa relação começa, termina. Até mesmo virtualmente. Relacionamentos instantâneos, mas também descartáveis.

“Hoje, as pessoas são ‘coisificadas’ sucessivamente como produtos, ao passo que os vínculos afetivos se tornam cada vez mais frágeis. Os indivíduos mudam de uma relação para outra repetindo os mesmos erros, reclamando dos mesmos problemas, perdendo oportunidades preciosas de desenvolvimento pessoal porque possuem mais dificuldade para lidar com as emoções. O que vemos, infelizmente, é um número crescente de pessoas que começam e terminam relações de forma virtual, evitando o enfrentamento dos sentimentos”, ressalta o psicólogo.

Voltemos a outra tirinha de Dilbert, publicada em 2000. O personagem jantava com uma moça em um restaurante, em uma de suas raríssimas aparições fora do ambiente profissional (e sem a popular gravatinha listrada torta). Em tradução livre, a mulher diz: “Dei uma olhada no seu perfil profissional em CD-Rom ontem à noite.” Ele retruca: “E eu li a sua página pessoal na internet” (recurso de antes dos perfis de redes sociais e blogs). Ambos fazem uma pequena pausa, que ele interrompe: “Talvez seja o caso de termos, então, uma conversa.” Ela: “Já tive, aqui na minha cabeça.”

Pobre Dilbert. Pobre moça. Tristes (e solitários) tempos modernos. Mas vai mais do que fazemos com os meios tecnológicos do que deles mesmos. A web não usa ninguém, nós é que a usamos. Na medida certa e com critério, sem alienação, pode ter efeitos positivos.

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