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sexta-feira, 1 de junho de 2012

Mensagem de Reflexão - Onofre, o vendedor de relógios

"Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar." Tiago 1.19


Por Marcelo Crivella/ Fotos: Thinkstock
redacao@arcauniversal.com


Nos idos da minha infância, tive a felicidade de frequentar com certa assiduidade o bairro de São Cristóvão, Zona Norte do Rio de Janeiro, o qual se espalha ao redor da Quinta da Boa Vista, um dos mais aprazíveis locais da cidade e residência da família imperial no século XIX.

Vizinho ao Cais do Porto, São Cristóvão é o portão do Rio para o viajante cansado que, vindo de todas as partes do Brasil, por via terrestre, obrigatoriamente percorre a colossal Avenida Brasil.

Por sua característica adjacente ao nascedouro daquela avenida, São Cristóvão é, até hoje, uma mistura de bairro residencial e industrial, abrigando inúmeras empresas transportadoras, cujos caminhões, carregados e cobertos com suas lonas típicas, colorem as ruas.

É curioso observarmos o cuidado com que se cobre um carregamento; todos os trançados e nós que os caminhoneiros bordam com suas cordas, até que, por fim, após várias horas, termina a carga perfeitamente coberta e protegida da chuva pela lona encerada, cuja cor, mais puxada para o cáqui (um amarelo misturado com o laranja, com traços de mostarda), traz a lembrança de um empadão daqueles de domingo, saindo do forno da casa da vovó.

Era justamente no querido bairro de São Cristóvão que Onofre, de quem falaremos, trabalhava. Não era caminhoneiro, como é a maioria dos nordestinos ali estabelecidos; era, sim, vendedor de óculos de sol e relógios, com uma bancada armada em uma das calçadas mais movimentadas daquele bairro carioca.

Nosso amigo tinha sido caminhoneiro antes, mas infelizmente um acidente levou-lhe o antebraço esquerdo, até a altura do cotovelo, desfazendo para sempre o prazer que Onofre tinha em dirigir seu caminhão por esse mundão afora, desbravando cada canto desse imenso Brasil.

O braço direito nada sofrera; pelo contrário, era perfeito e muito forte, desenvolvido pelas longas jornadas e tantas cordas que havia puxado e prendido a carga do caminhão.

Habituado ao bairro que lhe havia abrigado, quando anos antes havia chegado do Nordeste, Onofre recebera a indenização da transportadora e ali mesmo resolveu se estabelecer no negócio de ambulante, chamado popularmente de "camelô".

Não reclamava da vida, até porque, em um bairro de caminhoneiros, relógios e óculos de sol são um grande negócio. Afinal, quem de nós nunca quebrou um par de óculos ou perdeu um relógio? Era natural, no entanto, que a distância da profissão que tanto amava deixasse um pouco de rancor e tristeza no coração do sujeito que, portanto, não era lá de muitas brincadeiras.

Onofre, vendedor daqueles relógios de pulso modelo antigo – movidos a corda e longe de serem à prova d’água, como os de hoje – usava um muito vistoso, exatamente no braço em que era cotó, ou seja, o esquerdo. Era impossível que alguém, ao se aproximar de sua barraca, deixasse de notar o fato.

Havia, porém, um segredo que fazia aquela barraquinha ser especial, e era o seguinte: normalmente, quando clientes se aproximavam do ambulante, especialmente jovens e falantes rapazes, em grupos, sentiam-se como a fazerem um grande favor ao pobre comerciante, e revelavam uma desinibição e arrogância que jamais teriam, se estivessem em uma loja fina de artigos caros.

Reclamavam do modelo, queriam desconto, diziam que o produto não era bom... A tudo Onofre ouvia calado, mas havia uma coisa que ele não tolerava. Quando algum gaiato, tomado pela conclusão rápida, dizia "companheiro, me diga lá, se Deus lhe deu um braço perfeito, por que é que usa o relógio justamente no que é defeituoso?", era o momento esperado para espantar o importuno e a resposta vinha "de primeira":

- Posso colocar no outro braço, mas na hora de tomar banho, acertar os ponteiros ou dar corda no relógio, vou chamar sua mãe para fazer isso por mim.

A resposta fulminava o envergonhado e humilhado freguês, que dava um sorriso amarelo, e todo o ar imponente que tinha vinha abaixo quando, após refletir, dizia: "Ah, é mesmo... Eu não tinha pensado..."

Acho que foi por isso que o Senhor Jesus nos ensinou, com tanto afinco, a virtude da humildade. Porque se perdemos até mesmo nos menores confrontos da vida, fazemo-nos vítimas de nós mesmos e acabamos envergonhados.

Além do mais, com dois ouvidos, dois olhos e apenas uma boca, fomos feitos para observar e ouvir muito mais que falar.

Diz a sábia Palavra de Deus:

"Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar." Tiago 1.19

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